Jovem Salvador da Lata deixa  drogas e de deitar lixo para lançar primeiro disco
A vida do e-cantor de rua ganhou um outro rumo.

A inspiração e a criatividade artística do jovem talento despertam a curiosidade de quem o escuta a interpretar temas de alguns dos ícones da música angolana. O tema "Alma gémea”, do dueto Helison Paixão e Filho do Zua, é um dos seus preferidos. Quando canta, a emoção é tanta que faz parar os pedestres, que o observam e se deleitam ao som do compasso melódico da sua voz aguda. Salvador da Lata disse que foi assim que se tornou conhecido, ao fazer imitações, com o suporte instrumental de uma lata de refrigerante.

Tudo começou em 2018, no Calemba 2. As primeiras experiências foram com bidões de cinco litros. Por causa das dificuldades de manuseamento, optou depois por uma lata pequena. Apenas com os dedos da mão Salvador da Lata consegue produzir sonoridades acústicas com mestria. Com a sua arte, conseguiu levar sempre algum dinheiro para ajudar nas despesas de casa.

Exploração e promessas

Ao longo dos cinco anos a cantar na rua, Salvador da Lata recebeu várias promessas de ajuda. Não passaram mesmo de promessas, como explica. Último de oito irmãos, o jovem disse que tem feito pequenas performances nos mercados e interpreta temas de Matias Damásio, Helison Paixão, Filho do Zua, Gerilson Insrael e Baló Januário. Recorda que durante algum tempo era convencido por pessoas de má-fé, que o levavam para actuar em actividades festivas, sem recompensa financeira no final. "Diziam-me sempre para ter calma. Eles não eram agentes, eram exploradores que ganhavam dinheiro a minha custa”, lamentou.

Órfão de pai e mãe, ele e os irmãos foram criados pela madrasta no Calemba 2. Quando a mãe morreu, era ainda bebé de colo. Por isso, não teve o carinho da progenitora. As dificuldades financeiras em casa levaram-no muito cedo a batalhar para o seu próprio sustento e a ajudar também com alguma coisa na renda da casa.

As drogas

O contacto permanente com meninos de rua influenciaram-no a entrar no mundo das drogas e da delinquência. Salvador da Lata conta que a força de vencer na vida foi mais forte. Como já era conhecido e facilmente as pessoas o saudavam com carinho e o incentivavam, sentiu a necessidade de se afastar daquele cenário. "Era muito querido pelos meus amigos na rua, porque eles gostam de me ouvir cantar”, conta com alguma nostalgia.

A vida de menino de rua não é fácil e ele lembra, com tristeza, as peripécias por que passou para sobreviver no meio dos mais velhos. "Sofremos muitas humilhações na rua, passamos fome, frio, chuva e sol. Ninguém quer ter aquela vida, mas não temos muitas alternativas porque precisamos de arranjar dinheiro para comprar comida”.

Os sonhos

Na verdade, Salvador da Lata sempre sonhou, como qualquer criança, ser alguém importante na sociedade. Daí a vontade de entrar para a corporação policial. "Quero ser polícia para proteger as pessoas indefesas”, precisou. A paixão pela música, disse, "é porque me ajuda a tornar-me numa pessoa mais calma”.

Quando não estava na companhia dos amigos, a sua rotina era casa e mercado. Salvador da Lata cantava e o primo mais novo recebia as moedas dos clientes. Tinham pontos estratégicos nos mercados do Calemba 2. O que lhes davam recebiam, não importava o valor. Salvador da Lata quer dar continuidade aos estudos, mas para isso precisa do apoio da sociedade. Parou na segunda classe.

Sem imaginar que a sua arte o iria tornar famoso, apenas cantava por instinto de sobrevivência. Com uma lata de refrigerante na mão, leva "um pouco de alegria e sorriso” às pessoas. Vive actualmente na Rua do Comércio, no Cazenga, com uma das irmãs.

Esperança da família

Cláudio da Costa é o actual agente dos músicos Dabeleza e Jefferson Santana. É o mentor do projecto Label Noyas Music, empresa de agenciamento e gestão de carreira artística. Recebeu a proposta para trabalhar com Salvador da Lata através do radialista Luís Candeias. Numa conversa mantida por telefone, o radialista contou a situação do menino que se tornou famoso e que agora estava a deitar o lixo das casas em troca de comida.

Cláudio da Costa, depois de localizado Salvador da Lata, mostrou-se condóido com o estilo de vida dos familiares do cantor de rua. "Passam por todas as necessidades, agravado pelo facto de alguns irmãos serem portadores de deficiência e com problemas mentais. Salvador da Lata é visto pela família como o ‘Salvador da Pátria’, pelo trabalho que faz”, conta Cláudio Costa.

O agente decidiu apostar no talento do jovem, e, com o pouco que tem, procura dar alguma dignidade ao adolescente. Em Julho do ano passado, mesmo em fase de confinamento por culpa da Covid-19, decidiu contratar um professor e psicólogo particular, para o ajudar a ultrapassar os traumas de infância.  

A música e a lata

Com a participação vocal, composição e direcção artística do músico Jefferson Santana, o agente decidiu que era chegada a hora de Salvador da Lata gravar a sua primeira música, intitulada "Minha Pequena”, em Setembro do ano passado.

A música tem sido bastante consumida nas plataformas digitais e nas rádios. A fase de gravação do vídeoclipe já está em curso. Neste momento, segundo Cláudio da Costa, estão em estúdio a preparar o primeiro EP de Salvador da Lata, intitulado "A música e a lata”, com previsão de lançamento ainda para este ano.  

Cláudio Costa adiantou que já estão gravadas três das cinco músicas que vão constar do disco, designadamente "Acreditar”, com a participação de Mago de Sousa, "Obrigado Angola”, "Levas com cadeira” com a participação de Filho do Zua, "Minha Pequena” com a participação de Jefferson Santana e "Minha Lata”. Gravado em vários estúdios em Luanda, o projecto musical conta igualmente com as participações dos produtores Li, Dussa e MP e com o apoio do empresário Manuel dos Santos. 

Gentileza JA

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