Produtores contestam ″livre passe″ à importação e querem subsidiação à produção
A importação de bens de consumo corrente disparou em 2022, o que para os produtores é só mais um sinal de que o discurso político e depois a prática nem sempre coincidem. Sentem-se enganados, enfrentam dificuldades para pagar os empréstimos e querem pôr a subsidiação à produção em cima da mesa.

Produtores nacionais queixam-se que a estratégia do Governo para baixar a inflação comprometeu os investimentos privados feitos no sector primário nos últimos anos, a maioria com recurso a financiamento bancário, nomeadamente o PRODESI, quando a palavra de ordem era a de trocar as importações por produção nacional. Depois de no ano passado a importação de bens de consumo corrente ter disparado 61% para 11.814 milhões USD, admitem que não conseguem vender o que produzem e defendem que só a subsidiação à produção pode garantir e salvar a produção nacional.

O Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI) surgiu em 2018 e prometia financiamentos mais baratos aos empresários para aumentarem a produção nacional. Como o braço financeiro deste programa, o PAC, acabou por ser um fiasco (só em 2022 começou a mexer), já que garantiu poucos financiamentos. Foi o Banco Nacional de Angola (BNA) que criou dois anos mais tarde o Aviso 10, que na prática obrigou os bancos a conceder crédito à economia para não serem multados pelo supervisor do sector.

Entretanto, empresários nacionais recorreram a estes financiamentos, beneficiando de taxas de juro de 7,5%, quase três vezes mais baixas que as práticas na banca, só que nos últimos dois anos, com o objectivo de combater a alta inflação no País, o Governo baixou os impostos na importação, abrindo caminho para um aumento exponencial na compra de bens alimentares ao estrangeiro (ver peça ao lado), o que compromete os investimentos feitos nos últimos anos, com alguns produtores a enfrentarem dificuldades para agora cumprirem com as suas obrigações à banca.

Situação que para Wanderley Ribeiro, presidente da Associação Agro-pecuária de Angola (AAPA), é injusta e contribui para manter incerteza no mercado já que a produção nacional continua a não conseguir competir com os preços mais baixos dos produtos importados. "Observamos a existência de instrumentos de incentivo e apoio à importação que até têm estado a cumprir um importante propósito que é a redução da inflação. Entretanto, para o produtor nacional a inexistência de instrumentos que lhe assegurem presença no mercado, parece-nos injusta. É como ter uma equipa de futebol local que faz todas as jogadas certas no contra- -ataque mas não consegue fazer golos porque a baliza (mercado) não está dimensionada para a nossa bola", disse o responsável que em entrevista ao Expansão, em Dezembro de 2022, alertava já para o facto existirem "muitos casos de financiamentos que são autênticas armadilhas aos empresários".

Dificuldades crónicas para baixar custos de produção

Incapazes de baixar os custos de produção, os empresários angolanos admitem que a importação continua a ser o principal concorrente da produção nacional e que é altura de o Governo definir de vez o que é que pretende: aumentar a produção nacional, através da subsidiação, definindo preços mínimos e contribuindo para a sempre adiada diversificação económica, ou manter tudo na mesma com o País dependente das importações.

Para Wanderley Ribeiro, faz assim sentido trazer para cima da mesa a questão da subsidiação e de outros apoios à produção e aos produtores, até porque lá fora há vários casos de sucesso ao nível da subsidiação ao sector produtivo, que são apoios concedidos aos produtores pelos governos para incentivar ou suportar a produção de bens alimentares, assegurando um rendimento estável e equitativo aos produtores para conseguir limitar a dependência externa em relação aos alimentos.

Em termos práticos, deixam de ser os consumidores a assumir os custos mais elevados dos produtos produzidos em Angola para serem os contribuintes, ou seja, o Estado. Desta forma, os produtos nacionais chegam aos consumidores pelo menos em condições de rivalizar com o preço dos importados. "O ganho de eficiência da produção nacional passa por estes apoios que poderão ser gradativamente removidos conforme a maturidade do sector se for consolidando, reitero, algumas destas medidas são transitórias e cumprem um propósito específico de aquecimento dos sectores estratégicos da economia", disse o responsável da associação que defende que é imperativo "ajudar o produtor a reduzir a sua estrutura de custos e ter instrumentos que lhe possam dar alguma garantia e conforto, para que ele se mantenha nesta actividade".

Desta forma, reduzir-se-iam casos como os que o Expansão detectou de produtores nacionais em vias de fechar portas ou ter de vender os seus negócios por não conseguirem escoar os seus produtos, como é o caso de uma fazenda conhecida no Cuanza Norte, que está à venda (com silos e fábrica de farinha).

Exclusividade e isenções na importação comprometem

Entretanto, vários produtores admitem que chegaram a ter esperança quando foi criada a Reserva Estratégica Alimentar (REA), gerida pelo Grupo Carrinho, mas dizem que esta se "desculpa" com o facto de o milho produzido em Angola ficar mais caro que o importado para se escusar a comprar cá dentro.

"As empresas têm importado carne suína e derivados, bem como outras commodities, com declarações de exclusividade, beneficiando de isenções de impostos e com condições de prazo para pagamentos de IVA. Estas importações com declarações de exclusividade e isenções afectam toda a produção nacional, nomeadamente milho, arroz, açúcar, carne bovina e suína, farinha de trigo e milho. Desta forma não é somente o sector primário o afectado, mas também a indústria, sendo notória a dificuldade de sobrevivência das moagens angolanas em manter a actividade e postos de trabalho, pois vêm-se impotentes a combater as farinhas importadas", admite um produtor ao Expansão, sob anonimato. E acrescenta: "definitivamente torna-se irreal produzir em Angola caso não hajam ferramentas idênticas ao resto do mundo, como apoio fiscais, subsídios, ou seguros agrícolas".

Subsidiação tem tido sucesso na Europa

A subsidiação à produção é um caso de sucesso nos EUA e também na Europa no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) que é uma parceria entre os países- membros da União Europeia (EU) e os seus agricultores, cujos objectivos são apoiar os produtores e melhorar a produtividade do sector agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis. Em 2019 esta subsidiação custou 38,2 mil milhões de euros em pagamentos directos aos agricultores (excluindo o Reino Unido) e 13,8 mil milhões de euros em desenvolvimento rural. Outros 2,4 mil milhões de euros serviram para apoiar o mercado dos produtos agrícolas.

A indústria agrícola representou 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE em 2020 e o seu valor acrescentado bruto (VAB) foi de 178,4 mil milhões de euros. Existem cerca de 10 milhões de explorações agrícolas na UE e os sectores agrícola e alimentar, em conjunto, proporcionam quase 40 milhões de empregos na Europa, números que mostram a dimensão do sector no espaço europeu e que são garantidos por apoios financeiros aos produtores.

REAÇÕES

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