“Dupla pandemia” de polícias e covid-19 ‘mata’ negócios na Ilha de Luanda
Manter as portas abertas de restaurantes e bares tem sido uma ‘grande guerra’ diária na Ilha de Luanda. Gestores relatam dias agonizantes não só causados pela pandemia, mas também pelas constantes operações policiais à porta dos estabelecimentos que afugentam clientes e atiram muitos à falência.

O clima de negócio na Ilha do Cabo está em queda, influenciado, entre outros factores, pelas operações ‘stop’ que afugentam turistas nacionais e estrangeiros. Gestores de estabelecimentos ligados à restauração sobrevivem a enfrentar, o que chamam, “uma dupla pandemia” (a da covid-19 e das operações ‘stop’). Duas ‘pandemias’ que, cada vez mais, os sufocam e fazem com que, na luta pela sobrevivência, o despedimento seja a opção.

É o exemplo do conhecido restaurante Fininho e do bar e discoteca D Cigars Lounge. Juntos já desfizeram, só este ano, 22 contratos. “Os clientes convivem preocupados porque eles põem a barreira à entrada. Anteriormente, na sexta-feira, tínhamos muitos clientes, agora fico aqui à espera que um chegue. Os clientes pensam muito para vir aqui, preferem outro sítio em que fiquem mais à vontade. Sendo uma área turística deveria haver dias para operações, agora acontece todos os dias”, lamenta Carla Bumba, uma das gestoras.

Na mesma condição, o estabelecimento de Valter Mussinda, nesta fase, regista uma perda de clientes de 90%, salientando que se está a “despedir muita gente” para a empresa “sobreviver’’.

Adilson Lopes, sócio-gerente da Malibu Beach, arranjou uma solução para os clientes que não prescindem de consumir bebidas alcoólicas. Contratou uma empresa de aluguer de táxi. Mas, ainda assim, as barreiras policiais tiram os clientes do principal ponto turístico da capital. “Tem prejudicado muito o nosso negócio. O estrangeiro ou nacional que quer fazer turismo vem aqui, para fazer praia, beber uma cerveja. As operações provocam quedas nas receitas. Basta montar a operação à entrada, os clientes não entram nos restaurantes, assim não sobrevivemos. Há muitas famílias que dependem destes empregos, se não temos clientes, reduzimos os trabalhadores e não contribuímos para a economia”, observa.

Com menos de um ano com as portas abertas, o empresário lamenta ter “muito azar.” A esta situação, juntam-se as restrições às praias impostas pelas medidas de combate à covid-19. “Está muito difícil gerir um restaurante que tem como atractivo as praias, é muito complicado”, sublinha. No entanto, Adilson Lopes insiste em não baixar os braços: “Estamos a fazer esforços para pagar salários, ter um restaurante à beira-mar é muito dispendioso. É muito difícil, porque os governantes não deram conta que a ilha vive de turistas.”

É notável o fraco movimento na zona que já foi a predilecta de muitos angolanos, mas sobretudo de estrangeiros, além do encerramento de bastantes estabelecimentos. Em pleno cair da noite de sexta-feira para sábado, havia restaurantes que somente tinham um a dois clientes, sobretudo os mais modestos. Por exemplo, no Mar Terra, no Ponto Final, o gestor sentiu-se obrigado a romper contratos com parceiros e com a maior parte dos empregados. “De segunda a sexta-feira, é uma grande luta”, descreve Deodato de Sousa.

Com três restaurantes na Ilha, o grupo Lookal também sente os efeitos da pandemia e das operações, principalmente na gestão do Lookal Beach Club, inaugurado há pouco menos de um ano. O gerente Pedro Lopes regista uma queda de 40% na facturação e declara que as restrições o obrigam a trabalhar apenas para pagar contas. Também considera as operações policiais uma “outra pandemia” que enfrentam diariamente, apontando como a principal razão para a fuga de clientes. E acrescenta uma barreira ainda maior: o aumento do número de assaltos.

“Quando a polícia está toda no mesmo sítio, acaba por não ver o que se passa noutros. É complicado, as operações diárias acabam por prejudicar muito”, afirma, sugerindo a criação de directrizes dentro da polícia e do Governo, que possam tratar de forma diferenciada os condutores nesta zona turística. 

Sem retorno dos sucessivos investimentos para aguentar a fase conturbada, Sheila Lourenço, gerente do Miami Beach, lamenta, ao assistir a muitos espaços a fecharem portas. “Os restaurantes que sobrevivem são os que têm bases de investimento, alguns abriram há dois anos e hoje estão encerrados porque não aguentam a pressão”, sublinha.

Sheila Lourenço lança críticas ao que chama “forte ataque” aos automobilistas, comparando com índice de delinquência que tende a aumentar e que afugenta os turistas. “As pessoas pensam duas vezes para vir cá, houve situações de clientes que foram parados duas vezes, é desconfortável”, lamenta.

Pedro Godinho, proprietário do Jango Veleiro, classifica estas operações como um “combate cerrado ao desenvolvimento da ilha’’. Não compreende se “a ilha é essencialmente turística”, por que razão os turistas são impedidos de desfrutar do que os restaurantes oferecem. Há 35 anos na Ilha, já foi testemunha do grande movimento que a zona teve ao longo dos anos. Hoje, confessa sentir-se “triste”, ao ver vários restaurantes, bares e discotecas fecharem portas. “Todas as casas estão a ir à falência, a economia da ilha acabou, os jovens estão a ir ao desemprego”, lamenta.

HOTÉIS E HOSPEDARIAS RESSENTEM

Os poucos hotéis que resistem enfrentam problemas maiores. A taxa de ocupação baixou drasticamente. É o caso do hotel chinês Chez Wou, que tina somente um hóspede na última sexta-feira, 22. Chegou a ter mais de 100 por dia. Uma queda que também influenciou a redução em mais de 70% do número de funcionários e o encerramento do restaurante. Na mesma situação, encontra-se a hospedaria Mar Azul, próximo a um outro cartão postal da ilha: a Floresta. Aqui, os clientes, geralmente, são turistas que passam o fim-de-semana na zona. Também foi obrigado a encerrar o restaurante e, enquanto o movimento continua fraco, aproveita para traçar novas estratégias e requalifica-lo.

 

AHARA REITERA TRATAMENTO DIFERENCIADO O presidente da Associação dos Hotéis e Resorts de Angola (Ahara), Ramiro Barreira, defende a implementação de gestão e tratamento diferenciado para a Ilha de Luanda. Explica que se tem vivido “uma situação complicada” e revela que já foi apresentada uma proposta às autoridades, mas que ainda não teve qualquer efeito. Por isso, entende que falta sensibilidade por parte de quem trata do turismo. “A ilha deve ter um tratamento especial, como uma zona turística, em termos de segurança e ordenamento. Temos de transformar a ilha numa zona de importância estratégica em termos turísticos. Toda a gente não pode viver na ilha, há grupos marginais a viverem na floresta, onde ninguém controla”, nota.

Barreira lembra que Luanda não dispõe de um serviço de táxi eficaz para “dar curva” às barreiras policiais. E assinala que o actual cenário tem afastado turistas estrangeiros que vinham passar o fim-de-semana a Angola, sobretudo provenientes do Senegal, Congo e Nigéria.

Polícia promete sensibilizar

O Valor Económico apurou que, recentemente, os empresários se reuniram-se com o comandante da Polícia Nacional, demonstrando o desagrado pela intensificação das operações ‘stop’. A polícia prometeu pautar-se por uma conduta mais de sensibilização e combater os assaltos e o vandalismo a viaturas.

Até ao fecho desta edição, o Comando de Luanda não respondeu às questões do jornal. Um oficial superior da corporação defende, no entanto, que a Polícia “só tem feito cumprir a lei”.

O novo Código Penal, que entrou em vigor em Fevereiro, proíbe expressamente o exercício da condução em estado de embriaguez. Mas reduziu o limite permitido. A lei considera estado de embriaguez e impede a condução a quem tenha um miligrama de álcool no sangue, o que pode acontecer no consumo, por exemplo, de meio copo de cerveja. A lei revoga a previsão constante no actual Código da Estrada, que, até então, proibia a condução com uma taxa de 1,2 gramas de álcool no sangue. Ou seja, o código penal reduziu para 0,001 grama.

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