Angola já perdeu 12,1 mil milhões de dólares em fundos financiados pelo petróleo
Ao longo dos anos, os sucessivos governos criaram quatro fundos financiados por receitas do petróleo, com um valor global de 15,3 mil milhões USD, mas que entretanto foram descapitalizados ao ponto de perderem 12,1 mil milhões USD até final de 2021. FSDEA nunca deu o passo da estabilização fiscal.

O Governo comprometeu-se com o Banco Mundial a criar um fundo de estabilização fiscal até 2025, concentrando em apenas um organismo os fundos públicos criados ao longo dos anos financiados por dinheiro do petróleo. O Executivo está, assim, obrigado a "tirar da gaveta" a adopção há muito prometida de um fundo de estabilização fiscal já que apesar de ser esse um dos objectivos do Fundo Soberano de Angola (FSDEA), na prática nunca o foi.

Este é um dos pressupostos acordados entre o Executivo e a instituição multilateral no âmbito de um acordo de financiamento de 500 milhões USD, assinado em Junho, e que tem sido uma recomendação recorrente não só do Banco Mundial mas também do Fundo Monetário Internacional (FMI) para permitir ao País encarar o futuro com menos riscos e mais confiança. Ou seja, este fundo de estabilização fiscal será uma espécie de "pronto-socorro" que permitirá gerar poupança com as receitas do petróleo, de forma a evitar os choques causados pelas oscilações do preço do barril.

Agora, segundo o documento assinado com o BM, Angola deve por em prática até 2025 o que até já consta na Lei da Sustentabilidade das Finanças Públicas, que entrou em vigor em 2020, diploma que abriu caminho à criação de um fundo de estabilização fiscal para suavizar a volatilidade das despesas fiscais e atenuar as flutuações do ciclo económico.

O documento refere que "durante os períodos de preços elevados do petróleo, Angola poupou apenas uma pequena parte das suas receitas petrolíferas, mas criou vários fundos petrolíferos", enumerando, de seguida, os fundos criados no País ao longo dos anos. Entre eles está o Fundo Petrolífero (agora denominado Fundo Soberano de Angola), cujo principal objectivo era financiar projectos de infraestruturas, que no final de 2014 valia 3,4 mil milhões USD "e chegou a zero no final de 2019".

Também o Fundo Nacional de Desenvolvimento foi "criado com o objectivo de financiar projectos do sector privado nacional no âmbito dos programas de desenvolvimento do País", valendo 2,4 mil milhões USD no final de 2014, sendo descapitalizado em 2,0 mil milhões USD no final de 2021. "Nenhum destes fundos tem servido uma função de estabilização", refere o BM, e por isso foram criados outros dois, entre eles o Fundo do Diferencial do Preço do Petróleo, que "foi explicitamente concebido para servir uma função de estabilização fiscal. Os activos atingiram cerca de 4,5 mil milhões USD no final de 2014 mas, após o choque do preço do petróleo de 2015-16, todos os fundos foram retirados".

O documento aponta então baterias ao Fundo Soberano de Angola, considerando que "a sua eficácia para a estabilização fiscal foi limitada" e recorda que "os seus activos diminuíram de 5 mil milhões USD em 2012 para 2,8 mil milhões em Dezembro de 2021". Contas feitas, ao longo dos anos, os sucessivos governos criaram quatro fundos financiados por receitas do petróleo, com um valor global de 15,3 mil milhões USD, mas que entretanto foram descapitalizados ao ponto de perderem 12,1 mil milhões USD até final de 2021. "Acabou por se gastar o dinheiro de uma forma pouco transparente sem que ninguém percebesse. Esse dinheiro devia ter sido usado para estabilizar a economia. Apesar de tudo, o Fundo Soberano foi o mais transparente porque sabe-se que parte do dinheiro foi para o PIIM", revela um economista ao Expansão, solicitando anonimato.

Fundo Soberano deve ou não ser extinto?

O acordo do BM com o Governo não explicita se o FSDEA deve ou não ser extinto para que se crie um novo organismo. Refere apenas que "espera-se que no que se refere aos fundos de estabilização, o quadro actual passe de quatro fundos para um único fundo com um objectivo de estabilização claro e estruturas de governação adequadas, tais como regras sobre receitas inesperadas a utilizar para capitalizar o fundo, orientações de investimento e regras de acesso aos recursos do fundo". Mas ao que o Expansão apurou junto de fonte do Ministério das Finanças, o objectivo passa por efectivamente "o Fundo Soberano também ter esse mandato de servir como fundo de estabilização".

Algo que não é novo, já que foi publicado a 15 de Julho de 2019 o então novo estatuto orgânico do FSDEA que assumiu como objectivo a constituição de um "fundo para a estabilização fiscal". A criação deste fundo até consta do memorando assinado com o FMI no âmbito do acordo de financiamento que ocorreu entre 2019 e 2021. No entanto, nesse documento pode ler-se que "a capitalização [do fundo de estabilização fiscal] só começará depois de o orçamento gerar superavits e a dívida pública ficar abaixo de 60% do PIB. Mas se em 2022, segundo o relatório de fundamentação do OGE 2023, não estava previsto nem défice nem superavit, e as contas públicas acabaram por encerrar com um superavit fiscal de cerca de 2,7% do PIB, a alta de preços do petróleo fez disparar as receitas fiscais, o mesmo já não deverá acontecer este ano. Isto porque estava inicialmente previsto um superavit de 0,9% mas as dificuldades em obter financiamentos, quer externo quer interno, bem como a queda das receitas fiscais devido à redução da produção de petróleo, bem como o aumento das necessidades de capital para pagar divida este ano, fazem com que dificilmente haja condições para fugir a um novo défice orçamental. Já em relação à dívida, de acordo com o relatório de fundamentação do OGE 2023, em Outubro o Governo apontava a um rácio da dívida sobre o PIB abaixo dos 60% em 2022, mas o mais provável será esse rácio crescer novamente este ano. Isto porque as condições que o fizeram baixar em 2022 - Kwanza apreciou bastante face ao dólar no ano passado - este ano não se verificam, já que a moeda nacional depreciou cerca de 40% face à moeda norte-americana.

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