Gelson Dala: «Minha mãe e a minha fé»
Gelson Dala, 23 anos, transporta para o relvado a felicidade que lhe é inata. Sorri, fala sem travões calculistas, diz de forma genuína o que lhe vai à mente.

Maisfutebol – O seu nome verdadeiro é Jacinto Muondo Dala. Como aparece o Gelson?

Gelson Dala – Gelson não é nome de casa, é nome de rua, do bairro. Havia um rapaz lá do bairro que era muito bom e fazia muitos golos. Nos torneios municipais. Quando comecei a jogar, as pessoas olhavam para mim e achavam-me parecido com esse rapaz. E esse rapaz chamava-se Gelson. O nome ficou até hoje.

MF – Como era a vida familiar do Gelson em Angola?

GD – Bem, era uma vida grande e uma família grande (risos). Tenho seis irmãos e uma irmã, somos oito filhos. O mais velho é o Elísio e jogou 18 anos no 1º de Agosto. Foi capitão do clube e da selecção, era um bom lateral esquerdo. Agora tenho outro irmão, o Melo, a jogar no 1º de Agosto. Tem 17 anos e já joga nos seniores. Está a fazer golos e a seguir as pegadas da família (risos).

MF – Quem é que o levou para o 1º de Agosto? O Elísio ou o seu pai?

GD – Foi o Elísio, o meu irmão. Eu tinha 12 anos, era um dos ídolos do bairro e os vizinhos convenceram os meus pais a deixar-me ir. O Elísio levou-me lá em… 2010, acho. O problema é que a minha família não tinha dinheiro para tratar dos documentos necessários, das burocracias para eu poder ser inscrito.

MF – O que fez o Gelson?

GD – Desisti de jogar lá e voltei ao meu bairro. Somos uma família pobre, humilde e não conseguimos resolver isso. Eu já estava a treinar nos juvenis, o treinador gostava de mim, mas eu não tinha documentos e tive de desistir. Só dois anos mais tarde é que o meu irmão Elísio, que já tinha outras condições económicas, conseguiu ajudar-me a tratar disso. Em Angola é muito difícil também resolver este tipo de questões, é sempre complicado, principalmente para alguém que vivia no Bairro do Golfe, como eu. É um dos bairros mais perigosos de Luanda.

MF – Era difícil sobreviver no seu bairro?

GD – Também tinha coisas boas. Foi de lá que saíram os maiores talentos de Angola (risos). Mas não era fácil, havia muitos bandidos. Para eu conseguir ir treinar em segurança, a minha mãe tinha de chamar um táxi e acordar-me antes das seis da manhã. Era a altura mais calma do dia lá no bairro.

MF – Viveu lá até que idade?

GD – Até passar a jogar nos seniores. Eu passei directamente dos juvenis para a equipa profissional, teria para aí 17 anos. Nessa altura o 1º de Agosto mudou-me para um apartamento no centro de Luanda. Antes disso eu tinha até de faltar a treinos. Era duro. Às vezes saía de casa e via gente morta à minha porta. E ia para trás, claro. Eles [os bandidos] podiam matar mais alguém e eu não arriscava, já não saía de casa.

MF – Nessas condições conseguiu frequentar a escola em segurança?

GD – Era difícil, mas quase que consegui acabar o médio [secundário]. A partir dos 15/16 anos saía de casa muito cedo para treinar, saía por volta das 11 horas e a seguir ia para a escola. Mas chegava lá cheio de sono, cansado e não ouvia nada. Acabei por desistir porque era mesmo difícil conjugar o futebol com a escola. Nessas alturas mais difíceis valeu-me a minha mãe. A minha mãe e a minha fé.

MF – É um homem de fé?

GD – Muita, muita fé. Somos uma família religiosa da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Transporto essa ligação comigo para sempre.

MF – Se não fosse futebolista teria sido padre?

GD – Na nossa religião só há ministros e pastores. Se calhar tinha sido, sim (risos).


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