Wall Street do Mártires perdeu força e fecha negócios nos cafés
O movimento baixou com a diminuição da procura e com a repressão policial e as kinguilas arranjaram outras formas de negociar "fora das vistas". Hoje, os clientes são convidados a entrar nos restaurantes e lojas onde os vendedores informais até lhes pagam bebidas.

Apesar da redução visível do número de Kinguilas, o bairro Mártires de Kifangondo, também conhecido como o "Wall Street do Mártires" continua a ser o centro de transacções informais de moeda estrangeira na capital do país. Desde a megaoperação policial que ocorreu em Dezembro de 2017, onde foram desmanteladas redes de cidadãos que se dedicavam à lavagem de dinheiro e venda ilegal de moeda estrangeira, que a forma como os negócios têm sido feitos ali tem mudado aos poucos.

Contrariamente a outros pontos da cidade, onde as kinguilas não são visíveis, no Mártires os que sobreviveram não só às operações da polícia mas também aos efeitos positivos que teve a reforma cambial - que reduziu o gap cambial de mais de 160% para cerca de 10% - são hoje mais cautelosos e prudentes, tendo reinventado a forma de actuação e de negociação com os clientes que ainda hoje os procuram.

Segundo se constatou no local, quem entra nas primeiras ruas do bairro continua a ser assediado pelos vendedores informais, ainda que o façam hoje com um piscar de olhos, com um tímido assobio seguido de gesto de dinheiro com as mãos, ou então com uma saudação. Hoje já não exibem maços de dinheiro. Geralmente estão sentados em grupos, encostados a postes eléctricos, junto de sinais de trânsito ou mesmo nas paredes, com pequenos negócios ao lado, como a venda de recargas electrónicas e a fazer chamadas por minutos para dissimular a constante fiscalização policial.

A famosa rua 15, ou Wall Street como é conhecida, continua a ser a mais movimentada pelos cidadãos estrangeiros, na sua maioria oriundos de outros países africanos, que ali se dedicavam à venda de moeda. Se há uns anos atrás os maiores negócios de troca de moeda eram feitos a céu aberto, hoje estes kinguilas levam os clientes para um restaurante e podem até pagar uma bebida ao cliente.

Mas nem só de estrangeiros se faz estes negócios. Há também angolanos, com muitos deles a admitirem deterem um curso académico, só que à falta de emprego nas suas áreas dizem não ter tido outra solução a não ser recorrer à informalidade para sobreviver. É o caso de Gibson Liberto, nome fictício, licenciado em relações internacionais na República Democrática do Congo, que diz que já ouve uma diminuição acentuada na procura por parte de clientes, muito diferente do que existia até à mega-operação policial.

"Hoje os nossos clientes são pessoas que viajam e os empresários que vendem grandes mercadorias. São eles que às vezes nos vendem ou compram moeda estrangeira", relatou. Mas se os pequenos negócios caíram a pique com a diminuição da procura, já que hoje é mais fácil transferir dinheiro via bancos comerciais, alguns dos vendedores admitem que ainda assim há grandes negócios a serem fechados no "Wall Street do Mártires". Apenas não acontecem na rua à vista de todos mas sim nos restaurantes, lojas e cantinas.

Para Fernanda Teles de 56 anos, que vive no bairro há mais de 30 anos "muitas destas lojas aqui só estão como efeito de sombra. Lá dentro são palco de negócios que atropelam a lei e que envolvem avultadas somas em dinheiro, que são os negócios escuros", disse. Alguns clientes justificaram ao Expansão que continuam a recorrer ao mercado informal por causa das inúmeras burocracias que a banca comercial exige e que muitos não estão dispostos a suportar.

O economista Aberto Seixas defende que os bancos deviam melhor o atendimento na venda de divisas. "A banca comercial devia estudar muito bem a questão das comissões que cobra na venda de divisas, a questão da burocracia, tempo de espera no banco. Porque no final o cliente olha para estas questões e prefere sempre ir ao mercado informal, apesar do risco de ser assaltado", rematou. Acrescente-se que quando a reportagem foi feita, o GAP cambial face ao preço do BNA era de 14%.

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