Negócio do câmbio desacelera, kinguilas desaparecem das ruas de Luanda
O que até há poucos anos era um negócio bastante rentável vai hoje perdendo espaço com a estabilização do mercado cambial e as reformas operadas ao sistema financeiro, que introduziu mecanismos para que o mercado funcione de forma livre e mais rápido, obrigando as kinguilas a reinventarem-se em pequenos negócios. Agora vendem perucas e cartões de saldo para sobreviver.

"Já não é como era antes. Está cada dia mais difícil," é hoje uma das frases mais ditas pelas kinguilas da capital do país, que dia após dia vão deixando os pontos onde há pouco mais de dois anos proliferavam casas de câmbio a céu aberto e operações cambiais clandestinas.

Hoje, com a reforma da política cambial iniciada em 2018 pelo Banco Nacional de Angola (BNA), mas também a sua política monetária restritiva e as reformas ao sistema financeiro tornaram o mercado informal quase insignificante. "A culpa é da falta de kwanzas. Os clientes queixam-se que não têm dinheiro", disse ao Expansão uma kinguila que trabalha no centro da cidade de Luanda. Nem mesmo a desvalorização do dólar face ao kwanza tem aumentado o número de clientes.

"A situação agravou nos últimos meses e apesar do dólar ficar mais barato os clientes continuam a ser poucos", garante a mulher, que vive deste negócio de rua há mais de 20 anos. Para esta vendedora informal de moeda estrangeira, a situação está tão fraca que nem a polícia "chateia". "Antes andavam regularmente atrás de nós. Agora ignoram-nos completamente porque vêem que as coisas não estão bem", adianta.

O ambiente é semelhante nos vários pontos visitados pela nossa reportagem. O acenar de notas nas mãos deixou de ser uma realidade, independentemente do ponto de troca. Era comum perto dos bancos comerciais, estacionamentos e supermercados, a presença de kinguilas é hoje praticamente inexistente, o que contrasta com anos anteriores em que o gap cambial, o diferencial entre a taxa de câmbio da rua e o oficial estava acima dos 100% e permitia ganhos avultados.

A estratégia passa por se concentrarem em sítios onde ainda se consegue algum volume de negócios. O Expansão apurou que apenas os pontos de maior fluxo resistem à reforma cambial, com os pequenos pontos a tornarem-se mais escassos a cada dia que passa. Até no bairro Mártires de Kifangondo, tido como principal ponto de venda de moeda estrangeira, as ruas começam a ter mais espaço livre com a redução dos pontos de troca. O cenário já não é igual ao de outros tempos, onde um elevado número de cidadãos estrangeiros e nacionais se deslocava ali à procura de quem fazia o melhor preço para as notas de 100 dólares ou euros.

Gabriel é cambista nesta zona há mais de sete anos e reconhece que os últimos tempos têm sido muito difíceis. "Não é mais como antes. Há alguns anos podíamos processar na compra e venda um volume muito grande. Há três anos que o mercado ficou assim. Não tem sido fácil, agora temos de esperar que os clientes nos liguem", lamenta. Já Gaspar Jota (nome fictício), que chegou ao País há dois anos, atraído pelo negócio de venda de moeda, sente-se desiludido com a situação que no seu entender não corresponde com os relatos que o atraíram para Angola. "Vim porque os meus colegas garantiram que o negócio era rentável e em dias bons podíamos ter trocas de milhões de dólares. Mas desde que estou aqui ainda não tive esta oportunidade", desabafa, desalentado, o homem que deixou mulher e três filhos com o sonho de se tornar um kinguila de referência na zona.

Devido à baixa procura nesta zona de Luanda a disputa pelos clientes é renhida. Se antes bastava estar sentado e aguardar, hoje o cenário mudou. "Antes os clientes procuravam-nos. Agora lutamos por eles. Se um carro se aproxima corremos todos a ver quem faz negócio", remata o nosso interlocutor.

Mas não são só estrangeiros que se dedicam ao negócio do câmbio no Mártires de Kifangondo. Também há senhoras que vão resistindo de baixo das suas sombrinhas, com algumas alternativas à mistura para conseguir levar algum dinheiro para casa. Dona Domingas confirma ao Expansão que tem dias inteiros que não consegue vender ou comprar uma nota. E para ganhar algum "trocado" para casa aposta hoje noutro negócio na sua banca. "Desde segunda-feira (14 de Março) que não consigo sequer uma operação (compra ou venda de moeda estrangeira), mas tenho que continuar", disse.

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