Liquidação dos bancos encerrados pelo BNA encrava nos Tribunais por suspeita do juiz
Mandatários argumentam que juiz da causa tem revelado “inimizade grave” contra o banco. Documento já se encontra na mesa dos superiores de Osvaldo Malanga. Processos de liquidação de bancos encerrados mantêm acesas as desconfianças de motivações políticas.

O processo de liquidação do Banco Mais, que resulta da declaração de falência decretada pela justiça, a pedido do Banco Nacional de Angola (BNA), conheceu um novo capítulo na última semana, com a reclamação da defesa para o afastamento do juiz da causa.

Os mandatários do banco endereçaram um requerimento ao juiz da Sala do Comércio, Propriedade Intelectual e Industrial do Tribunal da Comarca de Luanda, com cópia para o juiz presidente da Comarca, em que levantam “incidente de suspeição” contra Osvaldo Malanga, acusando-o de “parcialidade” e de “inimizade grave” contra o banco.

No documento, que é remetido também à juíza chefe da 2.ª Secção da Sala de Comércio e ao magistrado do Ministério Público junto da mesma instância, os advogados argumentam que Osvaldo Malanga emitiu um despacho saneador, em Abril deste ano, em que, “de forma ostensiva e despudorada, falta inequivocamente com a verdade dos factos e das provas” constantes dos autos, com o objectivo de prejudicar “de forma dolosa” e “injustificada” o banco.  

Entre os factos que “comprovam” a actuação “parcial” de Osvaldo Malanga, os representantes do Banco Mais apontam, como exemplo, o reconhecimento de um conjunto de créditos por alegadamente não terem sido impugnados, quando, na verdade, os referidos créditos foram alvo de contestação da defesa, com provas nos autos. Paralelamente, a defesa nota que o juiz de causa, por sinal o autor da sentença que determinou a falência do banco, decidiu marcar a audiência do julgamento, antes de responder às reclamações que foram apresentadas contra o despacho saneador, violando “flagrantemente” o disposto nos artigos 1231.º e 511.º do Código do Processo Civil. Fonte próxima ao processo garante que o julgamento, marcado para 21 de Outubro, só não ocorreu porque Osvaldo Malanga foi antes alvo de um processo disciplinar instaurado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ). Reunida na manhã de 12 de Outubro, a Comissão Permanente do CSMJ decidiu suspender Ovalado Malanga por 120 dias. E, segundo apurou o Valor Económico, o processo disciplinar está relacionada com alegadas “condutas irregulares” de Malanga no julgamento do caso BANC, instituição bancária igualmente encerrada pelo BNA.

No caso do Banco Mais, entre as reclamações apresentadas contra os vários despachos do processo, além dos créditos impugnados que o juiz deu como não impugnados, a defesa evoca repetidas vezes a extinção de determinadas instâncias, por incumprimento de uma exigência do Tribunal, publicada a 13 de Maio de 2020 no Jornal de Angola. Na altura, o Tribunal fixou um prazo de 10 dias para que todos os que reclamassem créditos superiores a 704 mil kwanzas constituíssem mandatários e juntassem as reclamações aos autos. Os eventuais reclamantes ficaram também obrigados a tratar do preparo judicial, “sob pena de ser declarada extinta a instância”, conforme estipulado no artigo 134.º do Código das Custas Judiciais. E, segundo a defesa, que argumenta com as provas nos autos, várias entidades públicas e privadas que, entretanto, passaram a reclamar créditos não observaram os prazos fixados no despacho, pelo que deviam ser considerados como instâncias previamente extintas. “Ao contrário de qualquer interessado, é o juiz que está a praticar, reiterada e injustificadamente, actos prejudiciais no processo, por razões e fins desconhecidos, mas que são ostensivamente ilegais”, refere a fonte, que reitera o pedido de “substituição definitiva do juiz Osvaldo Malanga”, no processo de liquidação dos autos de falência do Banco Mais.

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

A decisão do BNA de encerrar os bancos Mais e Postal não escapou de leituras que a associaram a motivações de natureza de política. Além da colagem que se fazia, na praça pública, dos bancos a filhos do ex-Presidente da República, vários observadores apontam o caso de outras instituições que se encontravam em situação pior, como o BANC, que não tiveram o mesmo tratamento do regulador, nas mesmas condições. Ao contrário dos primeiros, o BANC já acumulava um histórico de “graves problemas técnicos” e “deficiências no modelo de governação”, como assinalou o próprio BNA, por altura do encerramento do banco, um mês após a retirada da licença do Mais e do Postal. Mais do que isso, o BANC, em finais de 2017, já apresentava fundos próprios negativos de 5.800 milhões de kwanzas. Já, em finais de 2018, o ‘buraco’ teria crescido para 50.000 milhões de kwanzas.

As diferenças entre o Postal e o Mais, face ao BANC, também foram assinaladas nas respectivas sentenças de falência em que, no caso deste último, o juiz acabou por condenar os administradores por “gestão danosa”.

Fontes próximas ao Banco Postal que acompanham o processo notam também o facto de o Ministério Público nunca ter conseguido fundamentar, no Tribunal, as decisões do BNA que conduziram ao pedido de falência. “Chegaram a dizer-nos que não queriam saber; que estavam a corrigir o que estava mal e a melhorar o que estava bem”, conta uma fonte, referindo-se a intervenções de magistrados do Ministério Público.

Mais recentemente, as declarações do governador do BNA, José de Lima Massano, que não excluíam o banqueiro Álvaro Sobrinho entre os prováveis futuros accionistas do Banco Económico, voltaram a levantar suspeitas de arbitrariedades na gestão da bancao, especialmente em relação ao dossiê dos bancos encerrados, em que acabou incluído também o Banco Kwanza Invest. 

As origens do processo

No dia 4 de Janeiro de 2019, o BNA anunciou, em conferência de imprensa, a retirada da licença dos bancos Postal e Mais, em alegado cumprimento do Aviso 2/18, de 2 de Março, que exigia a elevação do capital social mínimo e dos fundos próprios regulamentares para 7,5 mil milhões de kwanzas. No mesmo dia, os bancos foram também notificados da execução da sentença, no âmbito da providência cautelar que lhes havia sido movido pelo BNA, representado pela Procuradoria-Geral da República. Transitado o processo para a fase de falência, cada banco apresentou os argumentos para contrariar a decisão que consideravam “viciada” do BNA, mas o juiz Osvaldo Malanga acabou por despachar a favor do regulador.

Além de terem descartado qualquer risco sistémico, ambos os bancos evocaram a violação do Aviso 2/18, de 2 Março, pelo próprio BNA, uma vez que o instrutivo determinava, no seu n.º 6, que o seu incumprimento constituía “contravenção prevista e punível nos termos da Lei n.º 12/15, de 17 de Junho”. E, nos termos dessa Lei na altura, as contravenções eram puníveis apenas com multas, não dando lugar à perda da licença. Individualmente, o Banco Postal argumentou que tinha fundos próprios regulamentares positivos e “suficientes para cobrir todas as responsabilidades”, notando que o rácio de solvabilidade do banco, por exemplo, era de 67,51%, significativamente acima dos 10% exigidos pelo BNA, além do rácio de liquidez que estava nos 303%, o triplo do mínimo exigido pelo regulador na altura. Sobre os capitais regulamentares, a defesa do Postal evocava um plano, aprovado pelos accionistas e do conhecimento do BNA, que previa a injecção de 3.800 milhões de kwanzas para o seu cumprimento.

Quanto ao Banco Mais, a defesa lembrou que, cerca de duas semanas antes da retirada da licença, isto a 13 de Dezembro de 2018, o próprio BNA havia classificado o desempenho do banco, referente ao último trimestre desse ano, como globalmente “bom”. E recordou que os accionistas haviam submetido um plano de aumento de capital para os 12.500 milhões de dólares, por via da alienação de 60,80% do capital do banco, o que foi recusado pelo BNA. O banco argumentou ainda que, a 31 de Dezembro de 2018, tinha os activos superiores ao passivo e que jamais deixou de cumprir com as suas obrigações, face aos clientes, além de o perito contabilístico da Ordem, que assistiu o processo, nunca ter concluído pela falência do banco.

Apesar de todos os argumentos da defesa, o Tribunal decretou a falência dos dois bancos, abrindo caminho para a fase de liquidação.

Juiz não leu o processo

No requerimento em que solicita o afastamento do juiz da causa, a defesa do Banco Mais argumenta que Osvaldo Malanga produziu um despacho saneador, como se não tivesse lido ou como se não conhecesse o processo,  “ou como se o despacho saneador tivesse sido proferido com base em elementos de prova de um outro processo que não o da liquidação do falido”.

Os advogados recordam que Osvaldo Malanga foi o mesmo juiz autor da sentença que declarou a falência do banco, a 17 de Outubro de 2021, pelo que questionam o facto de terem passados dois dias, face à data de apresentação do requerimento do seu afastamento do processo.

Prejuízos à massa falida

Os mandatários do Banco Mais observam, no requerimento em que pedem a substiuição de Osvaldo Malanga, que a massa falida é a principal prejudicada nos autos de liquidação, argumetando com a depreciação dos bens que acabam porser vendidos a preços mais baratos.

Fontes bancárias que acompanham o processo de liquidação dos bancos encerrados pelo BNA questionam o facto de o juiz Osvaldo Malanga concentrar justamente todos os processos dos bancos nessa condição, levantando suspeitas de eventuais atropelos nos procedimentos de distribuição dos casos do Tribunal.

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