Africano é acusado de sequestro por adotar crianças brancas
Peter nasceu no Uganda, vive nos Estados Unidos, onde adotou crinaças brancas.

Histórias de acolhimento e adoção inter-racial são quase sempre contadas por pais brancos que se dedicam a cuidar de crianças não-brancas.

Mas o que acontece quando pais não-brancos resolvem adotar crianças brancas?

Um cotidiano de suspeita e interrogatório, dizem eles.

Peter, que nasceu na Uganda, já viveu isso na pele. Ele é pai adotivo de crianças brancas nos EUA.

Johnny*, de sete anos, estava agitado. Ele havia acordado de mau humor e isso só aumentava com o passar do dia. Agora, em um restaurante em Charlotte, no Estado americano da Carolina do Norte, Peter podia ver Johnny discutindo com outra criança na área de recreação.

Ele teve que agir rápido para tirar seu filho adotivo do restaurante. Pegando o menino nos braços, Peter pagou rapidamente a conta.

Enquanto carregava Johnny para o carro, a criança se contorcia em seus braços e não parou até Peter a colocar no chão para abrir a porta do carro.

Uma mulher se aproximou deles e confrontou Peter.

"Onde está a mãe desse menino?", perguntou ela.

"Eu sou o pai dele", respondeu Peter.

A mulher deu um passo para trás e parou na frente do carro de Peter. Ela olhou para a placa dele e pegou o telefone.

"Olá, polícia, por favor", disse ela calmamente ao telefone. "Ei, é um homem negro. Acho que ele está sequestrando um garotinho branco."

Johnny parou de fazer birra de repente e olhou para Peter. Peter colocou o braço em volta do filho adotivo.

"Está tudo bem", disse ele ao menino.

Infância pobre

No site de viagens Lonely Planet, Kabale é descrita como "o tipo de lugar por onde a maioria das pessoas passa o mais rápido possível".

Em Uganda, perto da fronteira com Ruanda e a República Democrática do Congo, serve como via de transporte para vários parques nacionais famosos nas proximidades.

Para Peter, sua cidade natal ainda guarda memórias dolorosas.

Ele teve uma educação precária. Quando criança, oito membros de sua família dormiam no chão duro de uma cabana de dois quartos.

"Não havia muito o que esperar. Se tivéssemos uma refeição, seria batata e sopa", diz ele, "e se tivéssemos sorte, comeríamos feijão."

A violência e o alcoolismo eram uma realidade diária na vida de Peter. Ele corria para a casa de suas tias, que moravam a metros de distância, para escapar.

"Por um lado, tinha o apoio das minhas tias e aprendi que, às vezes, é necessário um vilarejo inteiro para criar um filho", diz ele. "Mas foi caótico."

Aos dez anos, Peter decidiu que preferia ficar sem teto do que continuar morando com sua família. Juntou o máximo de moedas que pôde e correu para o ponto de ônibus local.

"Qual deles vai mais longe?", perguntou ele a uma mulher que estava ali. Ela apontou para um ônibus e, embora Peter não conseguisse ler a placa, embarcou nele. Seu destino estava a 400 km de distância: a capital de Uganda, Kampala.

Quando Peter desembarcou depois de quase um dia de viagem, ele se dirigiu às barracas do mercado que margeiam as ruas e perguntou aos vendedores se ele poderia trabalhar - qualquer trabalho - por comida.

Nos anos seguintes, Peter viveu nas ruas. Fez amizade com outros meninos sem-teto e eles dividiam seus ganhos e refeições. Peter diz que aprendeu uma habilidade inestimável para toda sua vida: ser capaz de reconhecer a bondade nas outras pessoas.

Ali, ele também conheceu um homem gentil: Jacques Masiko. Ele visitava o mercado semanalmente e sempre comprava uma refeição quente para Peter antes de partir.

Depois de cerca de um ano, Masiko perguntou a Peter se ele gostaria de estudar. Peter disse que sim, então Masiko conseguiu uma vaga para ele em uma escola local.

Ao vê-lo progredir nos estudos, Masiko e sua família ofereceram a Peter que fosse morar com eles.

Em Jacques Masiko, Peter encontrou um homem que o tratava como um membro da família. Peter retribuiu, destacando-se na escola e, finalmente, conseguindo uma bolsa de estudos para uma universidade dos Estados Unidos.

Algumas décadas depois, Peter estava com quarenta e poucos anos e felizmente já bem estabelecido nos Estados Unidos. Ele trabalhava para uma ONG que levava doadores a Uganda para ajudar comunidades carentes. Foi em uma dessas viagens que ele viu uma família branca trazer sua filha adotiva com eles.

Peter percebeu que crianças dos EUA precisavam de um novo lar tanto quanto as crianças em Uganda. Em seu retorno à Carolina do Norte, Peter foi a uma agência de adoção local e disse que gostaria de fazer trabalho voluntário para eles.

"Você já pensou em se tornar um pai adotivo?", perguntou a funcionária do orfanato, enquanto anotava seus dados.

"Sou solteiro", respondeu Peter.

"E daí?", rebateu a mulher: "Há muitos meninos buscando um modelo a seguir, pessoas que desejam ser uma figura paterna em suas vidas".

Havia apenas um outro homem solteiro que se inscreveu para ser pai adotivo no Estado da Carolina do Norte na época.

Quando preencheu seus formulários, Peter presumiu que seria automaticamente associado a crianças afro-americanas. Mas ele ficou chocado ao saber que a primeira criança que ficou sob seus cuidados foi um menino branco de cinco anos.

"Foi quando percebi que todas as crianças precisavam de um lar, e a cor não deveria ser um fator para mim", diz Peter.

"Tinha dois quartos extras e deveria abrigar quem precisasse."

"Assim como o sr. Masiko me deu uma chance, eu queria fazer isso por outras crianças."

BBC

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