Os generais por detrás dos golpes que arruinaram o sucesso de Angola
Estiveram todos ligados ao ex-Presidente José Eduardo dos Santos e, ao longo dos anos, acumularam fortunas bastante evidentes, assim como participações em empresas que operam em sectores de controlo estatal. Petróleo, diamantes, segurança, agropecuária — poucos sectores da economia escapam a esta rede e, em vários casos, os generais — traçamos aqui o perfil de oito deles — são parceiros na mesma sociedade.

Os generais Dino e Kopelipa são mesmo nomes sobre os quais Hélder Pitta Gróz, procurador-geral de Angola, foi questionado pelo Expresso. “Em relação a essas figuras, ainda não temos matéria suficiente [para instaurar processos-crime]”, respondeu. Segue-se um resumo de alguns destes chefes militares, por vezes difícil de fazer porque a informação transparente sobre a propriedade de várias das empresas mencionadas escasseia.

DINO, O HOMEM DAS COMUNICAÇÕES

O seu verdadeiro nome é Leopoldino Fragoso do Nascimento, mas é mais conhecido pelo diminutivo Dino. Juntamente com o general Kopelipa e com o ex-vice-presidente Manuel Vicente, completava um trio — depreciativamente apelidado como “Irmãos Metralha” — envolvido em muitos negócios do Estado angolano e que formava uma espécie de núcleo duro em torno do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

A 30 de Dezembro de 2019, juntamente com a notícia do arresto dos bens de Isabel dos Santos em Angola, também esteve nas manchetes dos jornais. Segundo o Ministério Público de Angola, a Polícia Judiciária portuguesa intercetou uma transferência de 10 milhões de euros de uma conta do general no Millennium BCP, que se destinava a uma sociedade russa, tendo como aparente destinatária Isabel dos Santos. Dino desmente tudo.

A sua fortuna pessoal é avaliada pelo “Maka Angola”, do jornalista Rafael Marques, em cerca de 900 milhões de euros. Chegou a chefe da Casa de Segurança do ex-Presidente da República, tratando das comunicações. Aliás, era essa a sua formação, adquirida no leste da Europa, tal como sucede muitas outras figuras ligadas ao então marxista-leninista MPLA: licenciou-se em Engenharia de Telecomunicações na Universidade de Veliko Tarnovo, na Bulgária, em 1988.

Grande parte da sua fortuna advém da propriedade da GENI, uma das principais accionistas da Unitel (25%), a principal operadora de telecomunicações do país. Para além disso, detém uma sociedade denominada Cochan, com participações na Puma Energy International — que vende combustíveis em mais de 30 países — e na importação de produtos petrolíferos refinados, através da Trafigura.

Tratava-se de um monopólio que João Lourenço já travou. A 20 de Junho de 2018, foi exonerado pelo próprio Presidente angolano, mas já ninguém lhe tirava o estatuto de “um dos maiores empresários do país”. Em Junho de 2019, o Estado angolano exigiu-lhe a devolução de um empréstimo de 29 milhões de dólares, destinado à GENI.

Ao general Dino são ainda apontadas ligações à operadora de comunicações Movicel e à TV Zimbo, em parceria com Kopelipa e Manuel Vicente.

KOPELIPA, O BRAÇO DIREITO DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

O general Manuel Hélder Vieira Dias — neste caso conhecido por uma alcunha — era tido como o homem em quem José Eduardo dos Santos mais confiava. Ex-ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente, realizou vários investimentos em Portugal, nomeadamente imobiliários e no banco BIG. Tem 64 anos e tem como berço uma das famílias historicamente poderosas de Angola.

Tal como o general Dino, estudou na Europa: especializou-se em comunicações militares na ex-Jugoslávia, o que lhe permitiu o acesso à informação confidencial, tornando-se de uma utilidade evidente para José Eduardo dos Santos.

O poder trouxe-lhe fortuna, que em boa parte era resultado das actividades de uma sociedade angolana chamada Grupo Aquattro Internacional, criada em 2007 e tendo como outros sócios, segundo o “Maka Angola”, Dino e Manuel Vicente, o ex-vice de José Eduardo dos Santos.

A sociedade controlava, por sua vez, uma subsidiária chamada Portmill Investimentos, que comprou em 2009 uma participação de 24% no Banco Espírito Santo Angola (BESA) ao BES, então liderado por Ricardo Salgado. O investimento terá sido financiado com dinheiro emprestado pelo próprio BESA, envolvido em transacções avultadas em numerário, e um segundo empréstimo do mesmo valor por parte do Banco Angolano de Investimento, revelou uma investigação de Rafael Marques.

A mesma troika terá lucrado em conjunto 1,3 mil milhões de euros com a venda da sociedade offshore Nazaki Oil and Gas, detentora dos direitos de exploração de petróleo no mar angolano. O negócio surgiu após uma investigação da SEC (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários norte-americana), agência responsável pela vigilância das bolsas de valores e das companhias cotadas. A Nazaki tinha uma participação na Cobalt, uma empresa de prospeção petrolífera parceira da Sonangol e cujos contratos levantaram suspeitas.

São ainda conhecidos interesses de Kopelipa na comunicação social, como proprietários de jornais, rádios e da TV Zimbo — alguns desses investimentos foram feitos em parceria com Álvaro Sobrinho, antigo director do BESA e Manuel Vicente, o ex-vice-presidente do país.

Em Julho, o “Jornal de Angola”, uma espécie de órgão oficioso do regime, noticiou que Kopelipa entregara voluntariamente a gestão dos terminais dos portos de Luanda e Lobito, que tinham sido concedidas a duas empresas da sua família. No entanto, o general garante que “actuou apenas como representante legal do accionista da Soportos, José Mário Cordeiro dos Santos, seu familiar”, por este se encontrar “ausente do país por motivos de saúde”.

ANTÓNIO FRANÇA NDALU, O “GENERAL DOS GENERAIS”

Tem 81 anos e uma vida com muitas histórias para contar. Estudou em Coimbra e, nos anos 1950 e 1960, jogou nas equipas principais de Sporting e Académica, como médio. Para além de militar — era conhecido como o “general dos generais”, verdadeiro número dois do regime de José Eduardo dos Santos —, foi deputado, ministro da Defesa e embaixador de Angola nos Estados Unidos. O estádio do Primeiro de Agosto, em Luanda, tem o seu nome.

Foi ainda membro do conselho de administração da De Beers, uma empresa de mineração e comércio de diamantes, com sede em Londres, entre 2005 e 2010. E é precisamente deste negócio que se pensa que será originária grande parte da sua fortuna, para a qual não há estimativas credíveis: aponta-se a sua ligação não só a empresas mineiras como a Lumanhe, mas, também, à Teleservice, fundada em 1993 e que durante anos terá tido a exclusividade da segurança na exploração de petróleo e diamantes no país.

A Teleservice é nomeada como responsável por actos de tortura e mutilações, descritos pelo jornalista Rafael Marques no livro “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”. Há agora uma nova empresa em actividade, denominada Kadyapemba, que terá na génese os métodos da Teleservice.

Por causa do livro, Rafael Marques foi constituído arguido por denúncia caluniosa, após queixa apresentada pelos generais, com Kopelipa à cabeça — apesar de não ser sócio da Teleservice —, e ainda Carlos Vaal da Silva, Adriano Mackenzie, João Baptista de Matos, Armando da Cruz Neto, António Faceira e Luís Faceira. As partes chegariam a acordo em 2015.

Outro sector de actividade que será explorado por Ndalu é o das pescas, nomeadamente através da sociedade Star Fish, em parceria com os irmãos Faceira, João de Matos e Armando da Cruz Neto. O seu nome é também associado à aviação e à Escom, o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola.

HIGINO CARNEIRO, O PACIFICADOR TODO-O-TERRENO

O general Higino Carneiro — 57 anos, mestre em Ciências Militares — foi notícia na semana passada em Portugal: de acordo com o “Jornal Económico”, é uma das personalidades sobre as quais a Procuradoria Geral da República angolana pediu ajuda a Portugal, com o intuito de localizar bens em território nacional. O objectivo é encontrar imóveis, investimentos imobiliários e contas bancárias de figuras de referência, nomeadamente militares.

Ganhou peso político no início dos anos 1990 como “negociador da paz”, tendo representado o Governo em vários acordos com a UNITA, nomeadamente o Protocolo de Lusaca, assinado na capital da Zâmbia, que proporcionou um baixar das armas durante cerca de quatro anos. Era então coordenador da Comissão de Formação das Forças Armadas Angolanas e chefe adjunto da Comissão Conjunta Político-Militar.

Ocupou vários cargos em Angola, o que lhe valeu a alcunha de “4×4” ou de general “todo-o-terreno”: foi vice-presidente do grupo parlamentar do MPLA, vice-ministro, vice-presidente da Assembleia Nacional, governador das províncias de Luanda, Cuando-Cubango e Cuanza Sul e ministro das Obras Públicas. Durante o tempo em que ocupou este último cargo, entre 2002 a 2010, é suspeito de peculato, com as notícias mais recentes a darem conta de que está a ser investigado pela Procuradoria Geral da República angolana. Há despesas superiores a 80 milhões de euros sem justificação, aponta uma investigação da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE).

Em causa está, ainda, a promoção de 14 funcionários que não reuniam as condições para esse efeito, bem como o pagamento de despesas de viaturas de pessoal externo. Em 2018, o Expresso já noticiava que as irregularidades detectadas pela IGAE tinham conduzido ao congelamento das suas contas bancárias, bem como das de outro ex-ministro, Manuel Rabelais.

Em Janeiro de 2019, o “Maka Angola” publicou uma investigação em que acusa o general de desviar fundos da construção de obras públicas, nomeadamente hospitais, para obras de cariz pessoal — isto quando era governador de Cuando-Cubango, cargo que exerceu entre 2012 e 2016, quando passou para Angola.

A empresa NNN — Engenharia e Construção, Lda., pertencente ao seu genro, terá sido beneficiada em vários contratos e continuado a usufruir da adjudicação de várias obras em Luanda: quase 1,5 milhões de euros em 2016 e 2017, ao câmbio actual.

Há outro processo mais avançado, apesar de estar relacionado com actos mais recentes, aquando do seu mandato como governador da província de Luanda, entre 2016 e 2017. Após ter prestado declarações, o Ministério Público considera que há indícios da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Está sob termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e interdição de saída do país. Porém, continua a exercer o mandato de deputado no Parlamento angolano, tendo sido eleito pelo círculo de Luanda. É esse o cargo público que lhe resta, depois de, em Setembro de 2018, já com João Lourenço no poder, ter sido substituído no cargo de vice-presidente da Assembleia Nacional.

ARMANDO DA CRUZ NETO, O EX-EMBAIXADOR INVESTIGADO EM ESPANHA

Tem 70 anos — nasceu a 16 de Abril de 1949, no Cuanza Sul —, foi vice-ministro da Defesa, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, embaixador em Espanha e governador de Benguela. Nos negócios, era, pelo menos em 2012, um dos sócios da Lumanhe e da Teleservice, estando por isso envolvido na exploração de diamantes.

Em 2012, um ano antes da sua saída do governo de Benguela, o jornal “Folha 8” denunciava a adjudicação de obras na província, sem concurso público, a empresas da mulher e das filhas — incluindo a reabilitação dos jardins da cidade.

De acordo com o “Maka Angola”, o Tribunal de Contas considerou em 2016 que Armando da Cruz Neto tinha desviado cerca de 815 mil euros, entre Janeiro e Maio de 2013, sem qualquer justificação. Nesse mesmo ano, foi exonerado do cargo.

Armando da Cruz Neto está a ser investigado em Espanha num caso que envolve a empresa pública Defex e a venda de armas à Polícia Nacional Angolana (PNA). Um negócio ruinoso para o Estado espanhol e em que há suspeitas do pagamento de milhões de euros em subornos.

As armas terão custado cerca de 150 milhões de euros a Angola, mas apenas metade da mercadoria terá sido entregue. A acusação do Ministério Público espanhol refere que, para além de Cruz Neto, então embaixador em Madrid, terão sido pagos subornos ao antigo vice-ministro da defesa Demóstenes Chilingutila e ao então comandante geral da PNA, Ambrósio de Lemos.

Cruz Neto negou sempre ter recebido qualquer contrapartida na venda de armamento, num caso que suscitou também a intervenção da Procuradoria-Geral da República angolana.

ADRIANO MACKENZIE, O GENERAL “RECRUTADO” À UNITA

É mais um dos sócios da Lumanhe, companhia envolvida na exploração de diamantes também conhecida como a “empresa dos generais”. As percentagens que detém em várias explorações permitiram vastos lucros ao longo de décadas: em 2007, a organização não-governamental Parceria África-Canadá (PAC) estimava que nos 10 anos anteriores tinha arrecadado 83 milhões de euros, o equivalente a cerca de 1,4 milhões de euros por general, por ano.

O percurso militar de Adriano Makevela Mackenzie, de 62 anos, começa na UNITA, mas abandonou as extintas FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola) em 1992, na sequência da assinatura do Protocolo de Lusaca, do qual Higino Carneiro foi um dos grandes obreiros. Nas forças do chamado “Galo Negro” era responsável pelas comunicações, o que obrigou então a UNITA a alterar todos os seus códigos.

Ocupou vários cargos de responsabilidade nas Forças Armadas Angolanas, desde a chefia da Direcção Principal de Reconhecimento e Informações até à Preparação de Tropas e Ensino. Em Setembro de 2018, o "Maka Angola" noticiou que Mackenzie estaria a ser acusado, no interior do exército, de privilegiar militares do sul do país na atribuição de bolsas de estudo.

Em Novembro desse ano, o Presidente João Lourenço ainda o condecorou com a medalha de mérito militar, quando das comemorações do 43.º aniversário da independência, mas o general já estaria então em queda. Em Maio de 2019, Mackenzie era exonerado do cargo de Chefe da Direcção de Preparação de Tropas e Ensino.

IRMÃOS FACEIRA, DOS DIAMANTES À AGROPECUÁRIA

Os generais, António Pereira Faceira, ex-chefe da Divisão de Comandos, e Luís Pereira Faceira, ex-chefe do Estado-Maior do Exército das Forças Armadas de Angola, estão ambos na reforma. Foram sócios da, entretanto extinta Teleservice e da Lumanhe, empresa envolvida na exploração de diamantes.

A propósito da Teleservice, António Faceira é citado numa notícia da rádio Voz da América sobre a alegada transferência da 23.ª Companhia de Comandos para a empresa, “por ordem de generais envolvidos em operações mineiras”. Para além disso, alguns dos membros da unidade acusam os ditos generais “de se terem apropriado dos seus salários”. Faceira garante desconhecer a situação.

António Faceira surge agora como empresário agropecuário e proprietário da fazenda Kambondo (na Quibala, no Cuanza Sul), com uma extensão de 8.000 hectares e 151 trabalhadores. A propriedade dedica-se maioritariamente à produção de cereais e leguminosas.

Fonte: EXPRESSO

REAÇÕES

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